Lílian Celiberti, moradora de Montevidéu, decidiu atravessar a fronteira para, justamente, retribuir a imensa generosidade do jornalista que, um dia, salvou-lhe a vida, a do companheiro e, por extensão, de seus dois filhos. Os garotos, então crianças, foram seqüestrados junto com a mãe e mantidos numa sala do Dops gaúcho enquanto a mãe era esfolada num pau-de-arara pela turma do delegado Pedro Seeling, da qual Irno fazia parte. Desmascarado por Luiz Cláudio no livro “Operação Condor: sequestro dos uruguaios”, lançado no ano passado pela editora L&PM, Irno decidiu processá-lo por danos morais.
Eis aí uma boa metáfora sobre a relação do Brasil com a memória da ditadura militar e sua última cidadela, a Lei de Anistia. É uma forma de entender a reação dessa turma à proposta de uma Comissão da Verdade, inserida no texto do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, para responsabilizar torturadores da época do regime militar.
Irno foi o inspetor do Dops que colocou uma pistola na testa de Luiz Cláudio Cunha, este confundido, ao entrar no apartamento de Lílian Celiberti, com um membro da organização de esquerda à qual pertencia a uruguaia. O repórter estava acompanhado do fotógrafo J.B. Scalco, que em seguida iria ajudar a decifrar a trama ao reconhecer o comparsa de Irno, o escrivão Orandir Portassi Lucas, mais conhecido por “Didi Pedalada”, ex-jogador do Internacional. Ambos os agentes foram condenados pela Justiça, em 1980.
Agora, Irno pede indenização por dano moral, alegando que Cunha não menciona sua absolvição por “falta de provas” no recurso que apresentou, em 1983, em segunda instância. O policial, lembra o jornalista, esqueceu-se de dizer que as “provas” do sequestro – Lílian e Universindo – estavam, então, submetidas à prisão sem processo legal e a todo tipo de torturas pela ditadura do Uruguai, que acabou apenas em 1985.
Na verdade, o que incomoda o inspetor Irno não é a omissão de Luiz Cláudio sobre o recurso na Justiça. Irno morre de vergonha é do papelão que ele protagonizou, obrigado pelos chefes a forjar uma nova identidade, com ajuda de fraude cartorária, para se contrapor ao depoimento do jornalista. Para tal, cortou os longos cabelos, moldou uma calva à navalha no alto da cabeça e cravou uma barba sem bigode na cara. Transformou-se, assim, em uma patética caricatura de Abraham Lincoln eternizada no anedotário político do Rio Grande do Sul. Flagrado na farsa por Luiz Cláudio e outros repórteres gaúchos, Irno submergiu no lixo da História até reaparecer, agora, à caça de uns caraminguás a mais para a aposentadoria.
Do outro lado, “Operação Condor: o sequestro dos Uruguaios” recebeu, em 2009, o troféu Jabuti da Câmara Brasileira do Livro e a Menção Honrosa do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. A obra também recebeu menção honrosa em Havana, Cuba, no prestigiado Prêmio Casa de Las Américas, de 2010, que reuniu 436 obras de 22 países.
O encontro histórico de Lílian com Irno será às 15h, na 18º Vara Cível, no Foro Central de Porto Alegre. Quem estiver na capital gaúcha e for jornalista de verdade, não pode perder esse encontro.
Todo apoio e solidariedade a Luiz Cláudio Cunha e Lílian Celiberti, portanto.
04/02/2010 at 14:53
Li um trecho desse livro e fiz uma espécie de “oficina intensiva” com Luiz Cláudio no início de 2009, na UnB. De fato, foi uma aula de jornalismo e tanto.
04/02/2010 at 21:53
[…] O sequestrador mostra a cara […]
04/02/2010 at 22:05
Oi, Leandro
e qual foi então o desfecho do encontro de hoje? Dá uma sensação boa saber que a burrice dos truculentos às vezes os coloca em maus lençóis, hehe…
um abraço
Natália
04/02/2010 at 23:45
Lhe foi solicitado, ela virou pra ele, voltou-se à juíza e disse: “Sim! É ele mesmo!”
Se não me calei antes, na Ditadura, porque me calaria agora?* (Lílian Celiberti)
http://guerrilheirosvirtuais.blogspot.com/2010/02/o-torturador-e-militante.html
05/02/2010 at 01:54
[…] favorável ao ex-agente da repressão política. . Quer saber mais sobre o caso? Leia texto “O sequestrador mostra a sua cara“, de Leandro Fortes publicado anteontem sobre o julgamento. […]
05/02/2010 at 10:23
É isso ai, Leandro. E o cara deu um tiro no proprio pé, ein! Bom ro Brasil, e pra Democracia.
05/02/2010 at 10:42
[…] artigo bem interessante. Pesquei no Brasília, eu vi, do jornalista Leandro […]
05/02/2010 at 11:19
A autoanistia dada pelos torturadores que estavam no poder em 1979 tem que ser revista.
Os torturadores têm que ser julgados, pois usaram dos instrumentos e dos cargos do Estado para praticarem assassinatos e torturas em nome do Estado, sendo que a Constituição da época não permitia o assassinato e nem a tortura. Então essas pessoas têm que ser julgadas por estes crimes.
05/02/2010 at 13:27
Caro Luís,
A revisão da auto anistia é essencial para que possamos construir um país verdadeiramente democrático. Um país que respeite os direitos humanos, onde aqueles que praticam crimes tenham a certeza da punição.
06/02/2010 at 23:14
o Brasil demora muito para punir seus torturadores. A cultura da violência absolve e absorve esses criminosos, dando brechas para o tempo se encarregar de eliminar um por um, deixando a justiça ao léu. O pior é que uma nova versão dessa história continua, com jovens torturados, assassinados e seus algozes (leia-se policiais)impunes.
08/02/2010 at 17:00
Ecos da ditabranda
Passou despercebido pela blogosfera um artigo publicado na Folha sexta-feira passada chamado “Quem tem medo da verdade?” (só encontrei ligação para assinantes). Seu autor, certo Cláudio Guimarães dos Santos, insere-se na vertente revisionista que originou o termo “ditabranda”, usado por Marco Antônio Villa no mesmo espaço do jornal.
As duas manifestações têm pontos em comum. Seus autores projetam-se da irrelevância escorados em duvidosa infalibilidade acadêmica. Ambos partem de mistificações para desenvolver suas ignomínias: Villa minimiza as violências praticadas pelo regime militar, enquanto Santos responsabiliza a esquerda por elas.
O que primeiro salta aos olhos é a incoerência desses discursos. O número de vítimas prova que a ditadura foi amena, mas não demonstra a desproporcionalidade de forças perante seus combatentes, muitíssimo menos letais. A ação da guerrilha teria provocado os abusos do regime, enquanto jamais poderia ser justificada por eles.
Mas pouco adianta argumentar com esses pândegos. Seu projeto é fornecer estrume “científico” para o desafogo moral dos grandes meios de comunicação, que apoiaram a ditadura desde o início (José Arnaldo, âncora da rádio Bandeirantes, disse que o golpe aconteceu porque “estava tudo uma bagunça”).
Em troca, recebem fama e folguedos de um neoconservadorismo ávido por ilusões de legitimidade. Mesmo que tamanhas asneiras permaneçam à espera de consolidação futura, elas ajudam a transportar o debate sobre a Anistia para uma esfera conveniente à direita. Ao instituir a ótica relativista para contrapor o movimento pela condenação de assassinos e torturadores, fica mais fácil vender a saída “intermediária” prevista pelo PNDH: os crimes permanecem impunes para sempre, mas são exumados por um falso tribunal sem efeitos práticos.
Mas não era isso que eles queriam desde o começo?
02/03/2010 at 09:43
Caro Leandro,
Começou a série A Idade das Trevas, em meu humilde blog Terra Goyazes. Composta de sete capítulos, fará um diagnóstico circunstanciado do período ruinoso do governo de FHC. No ar e na rede, o primeiro capítulo: A Precarização do Estado, no endereço: http://terragoyazes.zip.net
Abraço cordial
26/06/2010 at 14:33
Boa tarde caro e ilustre amigo Luiz Claudio Cunha, estivemos em muito cotnato quando voce estava na Preferencial e eu na diretoria da seguradora e do Banco Nacional lembra.
Queria retomar contato com o amigo, primeiro por este livro( vou pdeir dedicatória) e seria de grande valia, pois estou pesquisando para minha dissertação de mestrado, justamente este periodo do Governo Militar em relação o ordenamento juridico vigente .
o telefone da sua casa ainda é o mesmo?
OBS: estive com o Dr. Paulo Afonso em 2005 , ele está bem ? ainda tem contato?